Os campeões estão chegando. Leopoldo Carlino estava eufórico. E era preciso correr. Correr, correr. Trim, trim, trim. Espero que não seja para mim. O coração de Leopoldo parou por alguns segundos, até perceber que a mãe conversava ao telefone com alguma amiga. Alívio, puxa, não era para mim! Mas quando é que alguém vai me ligar? Meu Deus, eu mando novecentas cartas oferecendo meu conhecimento em programação de computadores e ninguém me liga!? Preciso estudar mais, preciso estudar. Os campeões estão chegando. Nós somos os A-ni-ma-niacs! Morre um recém-nascido que pesava três quilos e novecentos gramas por falta de vaga no CTI do hospital. Em janeiro estréia Terceiro Miênio, a nova novela da Tantan. Mimi é a margarina que o leva ao sossego da fazenda. Fuja do stress, coma Mimi, a margarina da fazenda. Cinco mil desempregados fizeram fila, hoje, em frente a uma empresa de cosméticos, em resposta a um anúncio colocado no jornal. Havia apenas uma vaga. Os combustíveis vão aumentar. Estoura mais uma guerra no Oriente Médio. Os cientistas anunciam que a maior descoberta do século é a de que o Universo está em evolução.
Leopoldo sentou-se. O controle remoto caiu de sua mão. Estudar... Correr... Ser melhor que os outros... Falar inglês, espanhol, comunicar-se pela Internet...
___ Mãe, vou sair um pouco.
___ Cuidado, filho, há muita violência na rua.
Leopoldo Carlino andou apressado, não sabia andar devagar. Não viu nada durante seu trajeto. Não sabia que na esquina havia uma loja de animais. Não sabia que na avenida passava ônibus. O semáforo abria e fechava. O zunido dos motores e a revolta das buzinas. Leopoldo... Bizarras figuras lamentavam a corrida do século. Uma velha de cabelos brancos. Pós-graduação nas Faculdades Dominique. Carpe Diem. Joga-se cartas, tarô e búzios. O sino da Catedral, Leopoldo caiu assustado. Seu traseiro arrebatado no chão, a visão do inferno a engolir seu mísero ser, rodeando, crescendo, única. Fim do milênio. Dinheiro, dinheiro, dinheiro. “Moço, me dá um trocado?” E o mendigo deitado na porta da igreja, farrapos andantes, os dentes caíndo, pedaços amarelos, meio-brancos, meio-negros, amontoados no chão. Um sorriso de quem perdeu a capacidade de contar, dividir ou subtrair. Multiplicar, que é isso, maluco? Os cabelos grudados numa pasta, num sebo, numa banha de leitão. Leopoldo gritou, gritou e gritou. As buzinas não pararam. Leopoldo não conseguia respirar. Abria a boca, tentava puxar o ar, mas era inexistente. Rarefeito. Nulo. Insuficiente. Seu desespero foi crescendo, tentava inalar, seus pulmões pediam e apenas encontravam a nicotina dentro de um caixão escuro. Leopoldo terminou de tombar, embebido em uma fumaça úmida e cinzenta aos moldes de Londres.
___ Mãe, vou sair um pouco.
___ Cuidado, filho, há muita violência na rua.
Leopoldo Carlino andou apressado, não sabia andar devagar. Não viu nada durante seu trajeto. Não sabia que na esquina havia uma loja de animais. Não sabia que na avenida passava ônibus. O semáforo abria e fechava. O zunido dos motores e a revolta das buzinas. Leopoldo... Bizarras figuras lamentavam a corrida do século. Uma velha de cabelos brancos. Pós-graduação nas Faculdades Dominique. Carpe Diem. Joga-se cartas, tarô e búzios. O sino da Catedral, Leopoldo caiu assustado. Seu traseiro arrebatado no chão, a visão do inferno a engolir seu mísero ser, rodeando, crescendo, única. Fim do milênio. Dinheiro, dinheiro, dinheiro. “Moço, me dá um trocado?” E o mendigo deitado na porta da igreja, farrapos andantes, os dentes caíndo, pedaços amarelos, meio-brancos, meio-negros, amontoados no chão. Um sorriso de quem perdeu a capacidade de contar, dividir ou subtrair. Multiplicar, que é isso, maluco? Os cabelos grudados numa pasta, num sebo, numa banha de leitão. Leopoldo gritou, gritou e gritou. As buzinas não pararam. Leopoldo não conseguia respirar. Abria a boca, tentava puxar o ar, mas era inexistente. Rarefeito. Nulo. Insuficiente. Seu desespero foi crescendo, tentava inalar, seus pulmões pediam e apenas encontravam a nicotina dentro de um caixão escuro. Leopoldo terminou de tombar, embebido em uma fumaça úmida e cinzenta aos moldes de Londres.
Recuperado do incidente que modificou sua vida, Leopoldo nunca mais saiu de casa sem uma máscara e uma bombinha de oxigênio no bolso.
Fragmento de um projeto de livro (1999), nunca concluído. Vale pela proposta: retalhos do tempo, ascese literária...
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Olá Carol, tudo bom?
Esse mundo é mesmo uma loucura. Resolvi ler umas postagens mais antigas do meu blog.. e lá estava um lindo comentário seu. Seria apenas uma doce descoberta não fosse a coincidência de, bem hoje, eu ter visto a Bianca! Estou fazendo estágio nas aulas de teatro da Waldorf.. e lá estava ela.. uma moça, linda e delicada (como sempre foi a menina que conheci).
Tempos atrás ganhei um livro seu do Edvaldo, do instituto do livro! Ele leu uns textos meus junto à prefeita e me chamou para uma conversa. Me deu vários livros publicados pelo instituto, e ganhei, entre eles, o Flauis. Já perdi as contas de quantas vezes usei ele com os meus alunos, em contação de história, produção de texto e cenas, etc. Uma delícia de ler e trabalhar.
Parabéns pelo blog e pelo livro! Delicados e informativos!
Obrigada, tardiamente, pelo comentário no meu espaço (que gosto tanto apesar das raras postagens!)... a gente cresce e acaba vendo as coisas de um outro jeito.. sentindo nossas falhas de outras maneiras... descobrindo coisas (sobre o ser humano) que a gente nem desconfiava! Gosto muito dessas descobertas e desses encontros, que o presente traz e acaba amenizando o passado.
Um grande abraço.
Juliana.
Ultimamente tenho achado tão raro ler esse tipo de narrativa em blogs que levo alguns segundos para calibrar minha percepção. Geralmente perde-se tanto tempo falando-se sobre “eu mesmo” relações falidas, expectativa de novos romances, amores passados e conselhos maduros sobre o que é a vida, que esqueço que há quem queira escrever sobre outras coisas.
A propósito, a onomatepéia para o telefone me levou a imaginar um modelo imenso, analógico, preto e feito de galalite. O “zapping” está na mesma velocidade que o dedo leva para sair clicando. As cenas construídas em cima do pensamento e não da mera necessidade de descrever ações, julgando assim preciptadamente que o leitor não é capaz de entender sutilezas, garantem o mínimo de interferência autoral na vida do personagem. Isso é bom, a narrativa flui desgarrada da folha branca e o leitor não ganha essa onipresença chata, se sentindo como um deus ocioso que come numa bacia de pipoca enquanto senta numa poltrona e fica assistindo a vida alheia dar em nada.
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