A questão não cessa. Insisto: o que é escrever?
Existe uma definição capaz de abarcar toda a multiplicidade da Literatura?
Definições sobre arte são estáveis?
O significado de Literatura para o autor é o mesmo formulado pela crítica?
Pra que escrever?
O que é ser escritor?
Qual a necessidade de se chegar a conclusões?
Continuando a apresentação das múltiplas visões sobre escrita... (desta feita, de Mário Quintana e Hermann Hesse). Formulações distintas e muito especiais:
Ser poeta não é uma maneira de escrever. É uma maneira de ser. O leitor de poesia é também um poeta. Para mim o poeta não é essa espécie saltitante que chamam de Relações Públicas. O poeta é Relações Íntimas. Dele com o leitor. E não é o leitor que descobre o poeta, mas o poeta que descobre o leitor, que o revela a si mesmo.
(QUINTANA, Mário)
Os poetas, quando escrevem novelas, costumam proceder como se fossem Deus e pudessem abranger com o olhar toda a história de uma vida humana, compreendendo-a e expondo-a como se o próprio Deus a relatasse, sem nenhum véu, revelando a cada instante sua essência mais íntima. Não posso agir assim, e os próprios poetas não o conseguem. Minha história é no entanto, para mim, mais importante do que a de qualquer autor, pois é a minha própria história, e a história de um homem – não a de um personagem inventado, possível ou inexistente em qualquer outra forma, mas a de um homem real, único e vivo. Hoje sabe-se cada vez menos o que isso significa, o que seja um homem realmente vivo, e se entregam à morte sob o fogo da metralha a milhares de homens, cada um dos quais constitui um ensaio único e precioso da natureza. Se não passássemos de indivíduos isolados, se cada um de nós pudesse realmente ser varrido por uma bala de fuzil, não haveria sentido algum em relatar histórias. Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais. Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção. Em cada um dos seres humanos o espírito adquiriu forma, em cada um deles a criatura padece, em cada qual é crucificado um Redentor.
Poucos são hoje os que sabem o que seja um homem. Muitos o sentem e, por senti-lo, morrem mais aliviados, como eu próprio, se conseguir terminar este relato.
Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca, mas já agora não busco mais nas estrelas e nos livros: começo a ouvir os ensinamentos que meu sangue murmura em mim. Não é agradável a minha história, não é suave e harmoniosa como as histórias inventadas; sabe a insensatez e a confusão, a loucura e o sonho, como a vida de todos os homens que já não querem mais mentir a si mesmos.
A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos e formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser. Todos temos origens comuns: as mães;todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um – resultado de uma tentativa ou de um impulso inicial – tende a seu próprio fim. Assim é que podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se. (HESSE, Hermann - Demian)
É evidente que as possibilidades de definição se mostram amplas e intermináveis. Cada autor, em seu tempo e em sua subjetividade, manifesta a sua relação mais do que pessoal com o veículo de sua expressão. E nós, que igualmente escrevemos, da maneira que somos, em nosso tempo e lugar, podemos dialogar com as referidas visões do fazer literário. Podemos nos identificar com uma ou outra, com parte desta e daquela, e assim, arriscar a formulação de nossa própria maneira de ser escritor. Este nosso jeito de escrever pode ser tão igual ou tão diferente dos outros. Pode ser único ou uma repetição de padrões antigos. Pode não ser uma cópia de ninguém, e mesmo assim igual, porque as ideias circulam em todos os cantos redondos do mundo. Posso sentir o mesmo que o outro e encontrar uma maneira diferente de expressar. O que somos? Como escrevemos? O que escrevo tem alguma utilidade ou a Literatura não precisa ser útil?
Aproveite as reflexões, pense nas questões e faça seu comentário. Vamos pensar juntos!
11 Comentaram. Deixe seu comentário também!:
Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida – umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana.
Abraços Carolina e Ótima Semana!
O Caio Fernando Abreu - autor que estudo em minha dissertação - escreveu numa carta que é o que escreve, e não, de jeitos estranhos.
Eu poderia responder o mesmo.
Acho que a literatura é sempre útil na medida em que toca o leitor.
Agradeço imensamente as palavras!!!
Seus textos são maravilhosos, casam perfeitamente com as imagens e o belo layout de sua pag.
abração e valeuuu :D
Laura, que alegria receber você de novo! Achei muito interessante a sua definição de escrita. Diferente de tudo que já vi. Nunca tinha pensado nela por esse lado: como esquecimento e sono. É assim que você se sente quando escreve? Beijos
Carol
Oi, Vanessa. Achei muito importante a sua contribuição, citando Caio Fernando Abreu. Eu não conheço a obra do autor (um pecado, eu sei, mas estive lendo outros autores no mestrado e doutorado). Então, para ele, escrever é simplesmente o que ele escreve? Sem grandes definições? Obrigada pela visita. Ótima semana para você! Carolina
Escrever... pode ser um estado de alma, um desabafo, uma lista de compras, uma relação de convidados para a festa, para o velório, ou simp-lesmente usar a caneta sem comprometimento. Agora escrever com arte, é saber o que tem de bom para dividir, é saber pousar a pena se a mente anda tão torpe, tão triste, tão desavisada. Hoje, aqui e agora, é necessário ter arte e ser artista para saber o que dizer, o mundo sofre de tanta ignorância, que tem hora que eu acredito que o silencio é a arte mais sábia que devemos partilhar. Escrever com arte é transformar a tragédia em oportunidade, é transfigurar o mal em bem, é expurgar a dor em benefício do salutar. Ah! Escrever é isso, ser coerente e incoerente, pois quem escrevi fala de si, e nem sempre estamos de bem com nosso próprio espírito.
A vida é tremenda e fantástica aventura e cada minuto pode ser um capitulo a escrever, então... vamos lá ... escrever a vida. Bjs
Palavrórios gangrenados ou catatônicos. Verborragias inestancáveis. Mentiras mal disfarçadas. Em contraposição, o que é literatura? Uma forma de milagre, de magia, de encantamento.
Roubei. Vale?
Olá! Muito obrigada pela visita! Espero sua presença sempre! Estamos te seguindo também, sucesso!
Barbara Fiedler.
Carolina,
O Caio F. Abreu tem mil definições da escrita, só digitei aqui uma que ocorreu-me, rs. A citação, inclusive, é um fragmento de uma carta destinada a um ex-namorado dele.
Vanessa, você deve conhecer bem a obra de Caio F. Abreu. Acho que preciso urgentemente ler alguma coisa dele, pois tenho encontrado tantas resenhas e citações de seus textos pelos mais variados blogs. Certamente, é uma vergonha nada saber sobre o autor. Obrigada.
O que somos? Pensamentos.
Como escrevemos? Artisticamente, em graus de inspiração diversos. Afinal, mesmo que funk carioca e música erudita seja uma comparação obscena em termos de "grau de inspiração", ainda assim possuem a mesma essência primordial (da música); qual uma lista de compras de supermercado, que não pode ser comparado com um Crime e Castigo, mas não podemos negar o fato de que ambos consistem em palavras escritas a partir do pensamento humano.
O que escrevo tem alguma utilidade? Esta resposta eu deixo para o seu coração. Mas dou-lhe uma recomendação... se consideras o que escreve algo inútil, pare imediatamente e nunca mais cometa um crime desses.
Literatura não precisa ser útil? Precisa. Contudo, como qualquer outra arte, a utilidade nunca será uma obrigatoriedade para todos os olhos e corações que a vislumbrarem no seu esplendor... pois o entendimento é aquilo que conseguimos absorver da obra e que, posteriormente, será filtrado durante a passagem para nosso inconsciente... o "supra sumo" da arte é aquilo que resiste a essa filtragem e é incorporado ao nosso consciente e/ou memória.
Mas veja que cada leitor tem um entendimento diferente e que deve ser respeitado. Portanto, se nada for incorporado positivamente ao leitor, a obra-prima é negada e deixada na prateleira pelo resto da eternidade, qual tesouro incompreendido pela mente ignorante. Mas para aqueles que compreenderam e a revisitam, a obra se revigora graças a releituras mil.
A cada dia que passa, eu, como escritor, vejo que Literatura é o nome que se dá a escrita mais sofisticada e que apenas aqueles que buscam a eternidade podem desenvolvê-la a pleno vapor; e que o método consiste em dizer muito com poucas palavras. Pois dessa forma, faz com que a pequena obra seja imensa em significados.
Recomendo que leia a Bíblia (não com fins religiosos, mas analisando seu "poder" literário) e saberá do que estou falando. Pois o Livro Sagrado é, sim, uma obra extensa, mas com tantos significados contidos em seus breves versículos que nas mãos de escritores menos virtuosos teria dimensões astronômicas!!...
Penso que estendi meu comentário em demasia.
Tentarei visitar seu blog periodicamente, assim como faço com o Aprendiz de Escritor (já visitava este com freqüência, daí vi um comentário seu lá e me senti impelido a conhecer seu blog de imediato).
Espero ter contribuído positivamente de alguma forma.
Cordialmente,
Alan J
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